3/15/09
anjos?
quem se ocupa da minha alma?
o corpo já eu o dei
ao sono que me amordaça
durmo em ilusão de vida
espécie de morta ambulante
sem ter meditado antes
para onde ia ou no que sei
quem se ocupa da minha alma?
ou partiu sem eu saber
e é de onde vem esta calma
de morto-vivo. fantasma?
a viver para lá de mim
porque eu cansei. eu parei.
3/12/09
olhos pisados
piso os olhos na madrugada insone. uma mais. não há um som na noite.
nem o piar de uma ave nocturna. nada a não ser eu. eu e Deus a rir da minha ilusão de ser importante o suficiente para que me olhe ou me chame.
nada. eu rosto-tronco de árvore. dia a dia mais áspero ao olhar alheio. a esquecer o esgar de sorrir. a apagar a palavra do vocabulário. quase.
nada nesta noite. como em tantas. falso - há um monte de livros à espera que os leia. ali. na minha frente.
terei perdido os encantados olhos de ler ao perder o encanto de viver?
deve ter sido.
estou a escrever porquê? para quê? para quem?
por puro desfastio. por tique ou vício. não para dizer nada. já não sei de nada por dizer. talvez por isso não leia. deve ser. tudo foi dito de uma forma ou outra.
era preciso inventar uma outra língua. feita de palavras só de esperança e beleza.
não sei como se faz. desisto e vou dormir.
quem sabe pensando em ti até o sono vir eu ressuscito?
3/10/09
meu Tempo
hoje sonho. acordada. porque quero. porque é urgente que sinta
ainda que doa.
senti demais para poder continuar a sentir*. talvez. sim. é verdade.
o talvez nem é palavra que me habitue a usar.
hoje. de olhos abertos. esqueço que ganhei em flacidez de pele
o que cresceu em desejo por ti. quero-te. nunca te tive nem terei
mas quero. com força de felino. com movimentos ondulantes de gata
com uivos de cio por dar. a querer soltar-se.
fazes-me falta como a água à sede.
fazes-me falta e eu sonho. acordada. para poder lembrar.
e o milagre. sem redondilhas. dá-se no meu corpo suado e ansiante...
- foi tão bom meu amor! descansa agora.
hei-de voltar.
* Álvaro de Campos
3/8/09
fui rio
a água corre do centro da montanha. fio de água.
tal eu corri do centro de uma mãe. fio de gente.
depois cresce com as chuvas. engrossa o caudal. transborda terras
contrói vida ou destrói as posses dos humanos. distraídos
com a força do que é natural
acelera ou abranda esse correr conforme as estações
no Verão parece até parar. se não se deitar o ouvido em terra
a auscultar o murmurar da água em curso leve.
como eu, até nesse parar de Verão, me sinto rio!
mas é no mar que parece terminar a história do que
não se evaporou pelos caminhos
do que não foi sorvido pela boca dos sedentos
do que não virou trigo ou tornou mais frondoso
o rosto de árvore.
aí não nos parecemos - rio e eu
eu não produzi nada que dê sombra ou pão
fui dar ao mar. como milhares de outros cursos desaguantes
e fico a arredondar pedras no vaivém das marés
numa praia qualquer.
3/3/09
pés nús
foto de madalena pestana
raízes na Terra
toda a força de mãe que a árvore tem
e empresta a quem a abraça
o melhor colo
para quem está vazio
de sonho e afecto
_ mata a vida para sair da morte_
escorregando. tronco. raízes. chão... nada
por fim!
e agradece à árvore a coragem que antes lhe faltara
para partir. nada mais